Reparo artroscópico das lesões completas do tendão do músculo subescapular: abordagem combinada articular e bursal
INTRODUÇÃO
O tendão do subescapular (TS) é um importante estabilizador e rotador interno da cabeça umeral. A lesão completa des-se tendão acarreta alteração biomecânica do ombro com conseqüente limitação funcional e dor, sendo o reparo dessas lesões ponto crucial para o restabelecimento da função da cintura escapular. O reparo do tendão possibilita a reversão da migração proximal da cabeça umeral encontrada nas lesões do su-bescapular(1).
A adaptação dos cirurgiões ortopedistas com a videoartroscopia tem levado ao desenvolvimento constante de novas técnicas visando à recuperação funcional precoce e resultados mais satisfatórios. Atualmente, a maioria das rupturas dos tendões do manguito rotador pode ser abordada pela videoartroscopia. A literatura vem dando maior importância às lesões do subescapular e, cada vez mais, resultados animadores estão sendo apresentados utilizando a sutura artroscópica(1-4).
A inserção do TS é feita pelo seu terço superior, que é basicamente tendinoso, e os dois terços inferiores, que são constituídos por estruturas musculares-ligamentares-capsulares. As lesões do TS podem ser classificadas de acordo com a espessura e diâmetro da lesão. Pela espessura, a ruptura pode ser parcial ou completa. A lesão completa corresponde à desinserção das fibras intra-articulares do tendão e pode ser, de acordo com o diâmetro, completa do terço superior ou completa total, incluindo o 1/3 superior e os 2/3 inferiores(5) (figura 1).
Este estudo tem por finalidade a apresentação de uma técnica artroscópica para a sutura das lesões completas do subescapular diferente das descritas na literatura, utilizando a abordagem articular e subacromial combinada, bem como avaliação dos resultados preliminares.
MATERIAL E MÉTODO
Entre fevereiro de 2002 e março de 2003 foram realizadas as suturas artroscópicas de lesões completas do manguito rotador em 64 pacientes, no Instituto de Ortopedia Niso Balsini (Joinville, SC). Dentre esses, 12 apresentavam lesões do subescapular, todas reparadas por técnica artroscópica com a abordagem articular e subacromial combinada.
A média de idade foi de 54 anos (44 anos a 77 anos). Desses 12 pacientes, sete eram do sexo feminino e cinco do masculino. O lado dominante foi operado em 10 casos e o não dominante em dois casos. O seguimento médio foi de 16 meses (12 a 28 meses) (quadro 1).
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De acordo com o tendão acometido, encontramos oito lesões isoladas do tendão do subescapular, três lesões do subescapular associadas à lesão do supra-espinhal (lesão ânterosuperior) e uma lesão do subescapular associada a lesões do supra e do infra-espinhal. Foram classificadas sete lesões como completas totais e cinco como completas do terço superior. Foram necessárias em média 2,4 âncoras por paciente para a sutura dos tendões (uma a quatro âncoras). Em quatro pacientes, pontos tendão-tendão foram utilizados para aproximação da lesão.
Em relação ao tendão da longa porção do bíceps, em oito pacientes realizamos a tenotomia pura e simples; em três, foi utilizada a tenotomia e tenodese com âncora; e em um caso, o tendão não foi abordado. A acromioplastia foi associada em oito pacientes e a coracoplastia em dois (quadro 2).
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O protocolo da UCLA foi empregado no pré-operatório e pós-operatório após o mínimo de um ano da cirurgia. Para a análise estatística foi utilizado o método ANOVA. No exame físico, os testes especiais para pesquisa do subescapular foram sempre realizados, como “Gerber” ou lift-off test(6) e o teste de “Napoleão”(7) (figura 2). Nos pacientes com suspeita clínica de lesão, estudo por imagem com a ressonância magnética (RM) (figura 3), artrografia e/ou ultra-som (US) foi utilizado.
Técnica cirúrgica
Utilizamos sempre a mesma rotina. Com o paciente em decúbito lateral, com o membro superior a 30-50º de abdução, flexão anterior de 15º e inclinação posterior do tronco de 10-30º. Tração axilar com peso de 5kg é empregada durante a abordagem do espaço glenoumeral e tração longitudinal do membro é usada durante todo o procedimento.
O portal posterior é sempre estabelecido como via para avaliação articular. A identificação do TS, principalmente nos casos de ruptura crônica, é difícil na maioria das vezes. Burkhart descreveu o comma sign (sinal da vírgula) como guia para identificação desse tendão, onde a porção súpero-lateral do tendão está aderida às estruturas do intervalo rotador (ligamento glenoumeral superior e ligamento coracoumeral)(8) (figura 4).
Durante a abordagem articular, um portal anterior (PA) é estabelecido através do intervalo rotador (inside-out), e uma cânula (8,25mm x 90mm) é introduzida para instrumentação articular. Nessa etapa, realizamos a individualização do tendão junto à fáscia do deltóide e ao complexo ligamentar glenoumeral superior/ligamento coracoumeral com auxílio de lâmina shaver 4,8mm e radiofreqüência. Nas rupturas crônicas, devido à retração existente, há necessidade da liberação do tendão junto à glenóide e o processo coracóide (liberação da porção anterior do intervalo rotador).
Depois de adequada individualização do subescapular, utilizamos uma pinça “Casperi” para transpassar dois fios Monocryl® no 1 através da porção lateral do tendão (figura 5). Esses dois fios serão utilizados para tração, bem como guia na passagem do fio de sutura definitivo durante a abordagem à bursa (figura 6).
Durante a abordagem articular fazemos a avaliação minuciosa do tendão de longa porção do bíceps (TLPB) e, na presença de instabilidade e/ou degeneração, realizamos a sua tenotomia com ou sem tenodese.
Após reparo do tendão do subescapular, passamos ao espaço bursal, deixando os dois fios Monocryl® transpassados ao tendão, na cânula do portal anterior. A visualização pelo portal lateral (PL) – O portal anterior sendo então utilizado para irrigação e introdução de âncoras – um portal lateral acessório (PLA) é estabelecido para instrumentação e preparo da pequena tuberosidade. O PLA é localizado lateralmente a 4cm do ângulo ântero-lateral do acrômio e o PL a 4cm laterais ao rebordo lateral do acrômio, aproximadamente 2cm posterior ao PLA.
Cânulas (8,25mm x 70mm) são introduzidas nesses portais (figura 7). A visualização através do portal lateral permite observação direta do tendão do subescapular. Os fios que se encontram na cânula do portal anterior são identificados durante a bursoscopia e trazidos para a cânula do PLA. Os fios, presos ao tendão do subescapular, serão utilizados para tração do mesmo através deste portal (figura 8)
Após a liberação do tendão, uma pinça tipo “Grasper” é utilizada para analisar a mobilidade do mesmo, observando a possibilidade de atingir a pequena tuberosidade, permitindo reinserção sem tensão. A rotação interna do membro facilita a aproximação do coto do TS ao local desejado. Nesse momento, através do PLA, é realizado o preparo da pequena tuberosidade com auxílio de lâmina shaver, fazendo-se uma leve decorticação (processo para auxiliar a cicatrização).
Uma âncora, com um fio Ethibond® no 2, é então introduzida pelo portal anterior e inserida na pequena tuberosidade. Um dos fios Monocryl®, transpassados ao tendão, é utilizado como fio de transporte para a passagem do fio Ethibond® preso à âncora. Mantendo-se a tração do TS com o outro fio Monocryl® localizado no PLA, realizamos o primeiro ponto de fixação (figura 9). Esse ponto permite que o tendão seja remanejado para o local escolhido para reinserção. O mesmo procedimento é também realizado com o segundo fio preso ao subescapular. Des-sa maneira conseguimos dois pontos de fixação do tendão à pequena tuberosidade.
Finalizada a sutura do TS, o espaço subcoracóide é avaliado analisando a presença ou não de impacto entre o processo coracóide e o tendão do subescapular. Essa avaliação é realizada movimentando-se o ombro em rotação interna e externa visualizar a excursão do tendão. Além disso, costumamos avaliar o espaço subcoracóide com uma shaver 5,5mm e se esta lâmina percorrer livremente o espaço, conclui-se que o mesmo seja maior que 5,5mm e não necessite de descom-pressão(9). Na presença de estenose coracóide e impacto, é realizada a coracoplastia (figura 10).
FOTO
Na presença de ruptura completa dos outros tendões do manguito rotador (supra-espinhal e infra-espinhal), a sutura é realizada seguindo as técnicas já descritas(10). Nos casos de rupturas maciças, pontos tendão-tendão (convergência de margens) são realizados para permitir o fechamento completo da lesão. A acromioplastia é adicionada quando existe o comprometimento dos tendões do supra-espinhal e infra-es-pinhal.
No pós-operatório (PO) o membro operado é mantido em tipóia do tipo “Velpeau” por quatro semanas, permitindo-se apenas exercícios pendulares e flexo-extensão do cotovelo, evitando-se seus últimos 30º da extensão quando é realizada a tenotomia do TLPB. Fisioterapia é iniciada após a quarta se-mana. Exercícios de fortalecimento isométrico iniciam-se após a sexta semana. O fortalecimento isotônico inicia-se com oito semanas de PO.
RESULTADOS
A elevação anterior ativa média pré-operatória foi de 142,5 e a pós-operatória, de 177,5 (p < 0,001) (tabela 3). O índice da UCLA pré-operatório foi em média de 16 (11 a 21) e o pósoperatório, de 32 (19 a 35) (p < 0,0001) (tabela 4).
Cinco pacientes obtiveram resultados excelentes, seis bons e um ruim. Portanto, 11 resultados considerados satisfatórios (92%) e um insatisfatório (8%). O paciente com resultado ruim estava envolvido com problemas litigiosos, podendo, portanto, comprometer o resultado.
DISCUSSÃO
Considerando que a ótica é apenas um instrumento que facilita a visualização e não uma técnica, procedimentos videoartroscópicos diferentes podem ser utilizados para a sutura das lesões do subescapular. Bennett utiliza a posição em cadeira de praia, realiza todo o procedimento trabalhando no espaço articular e faz a reconstrução do complexo ligamentar glenoumeral superior – porção medial do ligamento coracoumeral – para estabilização do TLPB quando existe o comprometimento da estabilidade bicipital associada à lesão do subescapular(2,4).
Burkhart e Tehrany utilizam a posição em decúbito lateral, empregam uma ótica de 70º para melhor visualização da inserção do TS, fazem o reparo da lesão no espaço articular, mas não têm preocupação na estabilização primária do bíceps, preferindo realizar a tenotomia com teno-dese(1). A técnica descrita neste estudo difere um pouco das anteriores, pois realiza o procedimento de liberação e reparo do tendão do subescapular no espaço articular para posterior-mente fazer a reinserção definitiva no espaço subacromial. A visualização pelo portal lateral durante o procedimento bursal possibilita observação direta do tendão do subescapular, facilitando o procedimento.
Em relação ao TLPB, preferimos na maioria dos casos fazer a tenotomia com ou sem a tenodese, baseados em estudos que mostram que, na tentativa de reposicionar o tendão do TLPB, a reluxação do mesmo pode comprometer a sutura do subesca-pular(1). Nos primeiros casos da série utilizávamos a tenotomia pura e simples, mas atualmente a tenotomia e tenodese com âncoras é o procedimento de escolha.
As lesões do subescapular não podem ser devidamente diagnosticadas e avaliadas apenas pela inspeção bursal realizada comumente na prática ortopédica com a cirurgia aberta; as-sim sendo, acreditamos que muitas das lesões do subescapular deixam de ser diagnosticadas corretamente. Bennett encontrou incidência de 27% de lesões do subescapular em 165 procedimentos artroscópicos do ombro(5). De Palma, em um estudo em cadáveres, encontrou incidência de 20,8% de lesões parciais do subescapular(11).
Neste estudo encontramos incidência de 18% de lesões completas do tendão do subescapular em 64 pacientes submetidos a videoartroscopia do om-bro para sutura de lesão completa do manguito rotador. Acreditamos que a visualização tridimensional promovida pela videoartroscopia facilita identificar adequadamente essas lesões.
Resultados com a sutura de lesões do manguito rotador com envolvimento do tendão do subescapular são na maioria referentes à cirurgia aberta(12-15). Pouco se tem publicado sobre os resultados da sutura artroscópica(1-4). Burkhart e Tehrany, em estudo preliminar com a sutura artroscópica, publicaram 92% de resultados satisfatório(1). Bennett, em oito pacientes utilizando a sutura artroscópica de lesão isolada do subescapular, obteve melhora dos escores Asses e EAV em todos os casos(4). Os resultados deste estudo, 92% de resultados satisfatórios, aproximam-se dos descritos na literatura.
Esch e Kelly salientam a dificuldade em abordar por artroscopia as lesões completas e retraídas do subescapular, con-tra-indicando o procedimento artroscópico nessas lesões devido ao risco de lesão neurovascular(3). Burkhart, em estudo anatômico, descreveu a zona de segurança para se trabalhar artroscopicamente nas proximidades do processo coracóide, defendendo a segurança da artroscopia(16). Em três casos do nosso estudo havia a retração do tendão do subescapular medialmente ao rebordo da glenóide; a liberação do tendão e sua sutura foram realizadas por artroscopia e nenhum dos casos evolui com lesão neurovascular.
CONCLUSÃO
A técnica utilizando a abordagem articular subacromial para a sutura das lesões completas do subescapular possibilita a melhora da elevação ativa anterior do ombro e resultado funcional satisfatório em 92% dos casos. Seu emprego possibilita o reparo do tendão do subescapular mesmo nas lesões crônicas e retraídas.
autores: NISO EDUARDO BALSINI, NISO BALSINI, PEDRO MOYSÉS JACINTHO, LUCIANA KOCHEN.
REFERÊNCIAS
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